“Acho que você deve parar de escrever sobre esta tal COP24. Já deu, ninguém aguenta mais este tema”.

Caminhávamos a passos curtos pelas alamedas da simpática e bucólica ruazinha que nos abriga e a nossas reflexões. Ouvi o desabafo de minha amiga como se estivesse ouvindo o de muitos leitores deste espaço. Impressionante como, depois que o presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe já montada emitiram opiniões contrárias às descobertas científicas sobre o clima, muitas pessoas emergiram, compartilhando as ideias “atuais”.

Argumentei, como sempre faço quando encontro os resistentes:

“Este tema continua sendo muito importante e necessário. Tem a ver com a qualidade de vida no planeta. Se ele aquecer mais do que 1,5ºC, vamos ter muitos, mas muitos problemas além dos que já estamos tendo por causa do aquecimento global”.

E ela replicou:

“Mas eu li que a Terra tem entrado e saído de eras do gelo e que isto, não necessariamente, tem a ver com os impactos causados pelo homem”.

Pronto! Minha amiga começava a engrossar o coro dos céticos. Seria necessário discutir, e sob um calor inclemente que está castigando a cidade mesmo antes de o verão dar as caras.

“Sim, isto é verdade. Em agosto deste ano alguns cientistas publicaram um relatório, chamado “Hothouse Earth”, em que eles explicam muito bem isso. É mais ou menos assim: entre uma e outra dessas eras, o planeta entra num período interglacial, que é mais quente. Estamos num desses períodos. Ocorre que, mesmo não estando no tempo certo de acabar este período, o planeta já entrou em temperaturas tão altas quanto a temperatura máxima histórica de um período interglacial, isso por causa das emissões. O que quer dizer que se as emissões de carbono continuarem inalteradas, o planeta pode deixar o ciclo glacial-interglacial e ser lançado em uma nova era, que eles chamam de Terra Estufa”.

Olhei em volta e perguntei:

“Quando você era mais jovem, achava o sol tão quente quanto agora?”

É este o ponto de reflexão da maioria das pessoas. Embora os gases poluentes provoquem mudanças climáticas, ou seja, uma espécie de bagunça no calendário das estações, é cada vez mais forte a sensação de calor. Em parte porque os dirigentes que escolhemos para administrar as cidades não levam em conta o aquecimento e provocam uma desorganização urbana ao cortar áreas verdes para construir, construir, construir. E, em parte, porque o planeta está perdendo sua capacidade de trocar o calor. A camada de gases poluentes não permite.

Não vou obedecer à amiga, já que a COP24, que terminou na noite de sábado na Polônia, foi um banho de água fria em muitos ambientalistas e o assunto ainda merece ser revisitado. A reunião foi marcada por contradições e baixa ambição, como mostra o artigo do site 350.org que o ambientalista Rubens Born enviou-me por email. Muitos também sentiram falta de uma referência forte, que funcionasse como um alerta, sobre o relatório do IPCC que foi encomendado para a reunião dos líderes.

A gravidade do anúncio dos cientistas, chamando atenção para o fato de que é preciso começar agora a mudar métodos de produção e consumo para baixar as emissões a ponto de a Terra não expulsar seus habitantes até o fim do século, ficou apenas como uma nota. Seria necessário, na opinião de muitos, que o estudo norteasse as discussões. Pincei, por acaso, um único trecho do relatório para que se possa avaliar a gravidade da situação exposta pelos cientistas:

“Estima-se que os extremos de temperatura na Terra serão maiores: dias quentes extremos em latitudes médias vão ficar até 3 graus mais quentes se o aquecimento global se mantiver em 1,5ºC. Estima-se que vai aumentar o número de dias quentes na maioria das regiões terrestres, com maiores aumentos nos trópicos”, diz o estudo.

Já estamos sentindo isso na pele, aqui debaixo da Linha do Equador.

Tenho o hábito de refletir enquanto caminho, sou uma pessoa que gosta de movimento. Deixei a amiga na porta de casa e segui pela rua, pensando no que ela me dissera. Esta resistência, por parte de alguns cidadãos, em perceber com bons olhos e se sentir afetado pelas reuniões de cúpula do clima pode ter várias causas. Uma delas é que persiste a desinformação. Ambientalistas não estão empenhados apenas em salvar baleias e micos-leões: trata-se, muito mais, de promover uma mudança real socioeconômica e ambiental, não só visando a diminuir os riscos dos pobres frente aos eventos extremos, como de achar soluções para uma vida sem combustíveis fósseis e sem causar ondas de desempregos em massa.

Neste sentido, um “Novo Acordo Verde” começa a ser delineado por políticos progressistas como Alexandria Ocasio-Cortez, do Congresso norte-americano. A ideia é enfrentar o desafio monumental da mudança climática, ao mesmo tempo em que melhora a situação econômica dos americanos pobres.

Na sexta-feira (14), o plano recebeu um incentivo, uma carta que foi assinada por 44 prefeitos, 63 legisladores municipais e estaduais e 116 vereadores de 40 estados. Quem assinou também foi L.W. Allstadt, um curador da vila de Cooperstown, no norte do Estado de Nova York, e ex-vice-presidente executivo da Mobil Oil, a gigante que se fundiu com a Exxon em 1998 para formar a maior companhia de petróleo de capital aberto do mundo.

Longe da esfera política, outro movimento tem ganhado força para tentar conter os avanços das mudanças climática inlcuindo a sociedade civil na discussão. A última sessão de alto nível em Katowice resultou num comunicado “Chamada de Talanoa para Ação”. Talanoa é uma tradição do Pacífico, e o convite é agir juntos:

“Multilateralismo e cooperação nos permitirão abordar problemas juntos, encontrar soluções e construir consenso para o bem comum. Apenas uma coalizão global de atores – incluindo Partes, governos nacionais e subnacionais, empresas do setor privado, comunidade de investimento, sociedade civil e todas as partes interessadas”.

Como se vê, há um consenso sobre a necessidade de envolver a sociedade civil nas decisões climáticas. É uma pena que o próximo governo eleito em outubro pense diferente, esteja focado apenas no desenvolvimentismo. Isso não ajuda em nada. Para se ter uma ideia, a Rede de Sementes do Xingu foi citada como uma importante ação em prol de uma economia de baixo carbono.

Portanto, a torcida é para que a equipe Bolsonaro não decida mexer também com essas terras indígenas, como já anunciou que fará com a Raposa Serra do Sol.

Fonte: G1