Fonte: Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro lançou mão de uma medida provisória para alterar uma lei que ele mesmo recém
sancionou, a 13.818, que trata do regime simplificado de publicidade de atos societários e publicações de sociedade anônima. Pela lei anterior, originária de um projeto apresentado pelo então senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) que tramitou no Congresso durante quatro anos, as empresas poderiam publicar suas demonstrações financeiras de forma resumida, a partir de 1° de janeiro 2022. Até lá, valia a regra estipulada pela lei das SA, de 1976, que determina a publicação do balanço no Diário Oficial da unidade federativa em que estiver situada a empresa e em jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro sancionou a regra em 24 de abril deste ano.
Esta exigência foi retirada pela Medida Provisória 892, que está publicada no Diário Oficial da União de hoje. Segundo o texto, as publicações obrigatórias devem ser feitas apenas pelos sites da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o da própria companhia e o da B3, no caso das empresas de capital aberto. Caberá ainda à CVM, no entanto, regulamentar a aplicação da legislação alterada, possivelmente por meio de instruções normativas (INs). O ministro da Economia definirá ainda a forma de publicação e de divulgação dos atos relativos às companhias fechadas.
Medidas provisórias podem ser editadas pelo presidente em casos de relevância e urgência. Valem por dois meses, mas podem ser reeditadas uma única vez. Entram em vigor de forma imediata e devem ser aprovadas por Câmara e Senado em até 120 dias. O tema é regulado pelo artigo 62 da Constituição Federal. Cabe ao Congresso avaliar previamente se os pressupostos constitucionais, entre eles o da relevância e urgência, foram atendidos.
Em pronunciamento na abertura do Congresso da Federação Nacional de Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave) , Bolsonaro ironizou dizendo que a medida vai “ajudar a imprensa de papel”, porque as empresas não terão mais que publicar seus balanços. Voltou a criticar a mídia e citou expressamente o jornal Valor Econômico. “Eu espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem, eu espero “, disse, entre risos. “Vão fazer este tipo de política? Pensar que o Valor me entrevistou por duas vezes durante a campanha. A segunda manchete era ‘Bolsonaro tem a política econômica idêntica à de Dilma Rousseff’. Pelo amor de Deus , pô. Eu não sou um Dilmo de calça comprida”, disse, para arrematar da seguinte forma: ‘Imprensa, eu ganhei as eleições, eu sou o Johnny Bravo. Parem de me derrubar. Vamos em frente. Vamos criticar com razão.”
Ao contrário do que disse o presidente, ele não concedeu entrevista ao Valor durante a campanha eleitoral, embora tenha sido procurado diversas vezes. Em 2017, antes, portanto, da campanha, Bolsonaro deu duas entrevistas ao jornal, sem ter designado ainda um coordenador econômico, função que depois seria exercida pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na primeira delas foi questionado sobre economia. Em nenhum momento era feita a afirmação de que a política econômica de Bolsonaro era idêntica à de Dilma Rousseff. A matéria lembrava que durante o governo FHC Bolsonaro votou da mesma forma que o PT em temas econômicos, como a reforma da Previdência, por exemplo. Posteriormente, em textos de opinião, articulistas traçaram paralelos entre Bolsonaro e Dilma em relação a episódios pontuais. Um deles foi a decisão de Bolsonaro de interferir na política de preços da Petrobras para desarmar uma possível greve dos caminhoneiros, já neste ano.
Em nota oficial, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse que recebeu “com surpresa e estranhamento” a edição da MP. A entidade afirmou que o texto está “na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade” e acrescentou estar “avaliando a melhor forma de evitar que a MP 892 seja aprovada”.
O presidente voltou a abordar o assunto na tarde de hoje, em Itapira, onde participou da inauguração da nova planta farmoquímica oncológica do grupo Cristália. Novamente Bolsonaro foi irônico ao explicar as razões pelas quais editou a medida provisória. O presidente disse ter “retribuído” o tratamento recebido da imprensa durante a campanha eleitoral ao assinar a MP que acaba com a obrigatoriedade da publicação atos societários e publicações de sociedade anônima em jornais impressos. Bolsonaro disse que durante as eleições presidenciais “quase toda mídia, o tempo todo”, ficou “esculachando a gente, fascista, homofóbico, racista, e seja lá o que for”. “No dia de ontem eu retribui parte daquilo que grande parte da mídia me atacou. Assinei uma Medida Provisória fazendo com que os empresários, que gastavam milhões de reais para publicar obrigatoriamente, por força de lei, seus balancetes nos jornais, agora podem fazer no Diário Oficial da União, a custo zero”, disse o
presidente.